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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Gourmet

 Pimenta-Biquinho




POR: LUCIANA LANCELLOTTI


A primeira experiência com a pimenta-biquinho tem início, geralmente, sob comentário estimulante: “Pode comer que essa é diferente, não arde, não!” E quem disse que a gente acredita? Entre o fascínio pela descoberta e o medo do arrependimento, eis que é dada a primeira mordida naquele fruto arredondado e suculento, com ponta em forma de bico e tom vermelho intenso. E, ainda, sob algum resquício de desconfiança, descobre-se que a tal pimenta, de fato, não é ardida. Melhor: aos poucos, ela revela ao paladar uma doçura intrigante, que desperta a vontade de degustá-la em porções. Pronto. Quando você se dá conta, a biquinho já lhe conquistou.

Quem ainda não provou tem oportunidade de sobra para se render. De aperitivos a geleias, ou como ingrediente de pratos principais e sobremesas, essa variedade de pimenta vem se tornando cada vez mais versátil e, devagar, cativa o paladar nacional. Até o aclamado chef Pascal Barbot, do parisiense L’Astrance, se encantou pelo produto quando esteve no Brasil, em 2007, e manifestou o desejo de incorporar a biquinho a seus menus.

Com charme próprio

Antes de Barbot, porém, vários chefs brasileiros já haviam colocado a ideia em prática. “Há quem use a biquinho apenas como decoração, só que, dessa forma, é grande o risco de ela ser deixada de lado no prato – o que é uma pena, porque é um ingrediente maravilhoso”, defende o chef Volmar Zocche, atualmente no comando do restaurante Tróia, que será inaugurado em março, em Goiania. “A biquinho tem todo o perfume da pimenta, só que não queima. Vai muito bem, por exemplo, em um molho para massas, combinada com azeite, alho e peperoncino”, ensina Zocche, autor de uma inusitada pizza de biquinho com rúcula que integra o cardápio da paulistana 1900 Pizzeria.

Para o chef Rodrigo Oliveira, do paulistano Mocotó, a variedade tem muitos méritos. Um deles é preservar o sabor delicado da pimenta, sem lembrar o gosto do pimentão, como acontece com a cambuci, que também não arde. “Outra vantagem é o fato de ela equilibrar os sabores”, comenta. É o que acontece, por exemplo, com o primeiro prato que Rodrigo criou utilizando a biquinho, com carne-de-sol na brasa, assada e finalizada na manteiga-de-garrafa, alho assado e chips de mandioca. “Como ela é conservada em vinagre, faz um bom contraponto à untuosidade da carne, conferida pela manteiga”, diz. A porção foi criada em 2004 e é uma das mais pedidas no Mocotó até hoje. E, pelo jeito, não vai deixar o cardápio tão cedo.

Quem aposta no produto comemora a aceitação. No Restaurante Bananeira, em São Paulo capital, a biquinho é ingrediente até de caipirinha, combinada com tangerina. Baião-de-dois com carne-seca, pirão, filé mignon rôti... A variedade é utilizada principalmente no preparo de carnes e peixes. “Comecei a utilizá-la em um pesto acompanhando o tambaqui e percebi que os clientes pediam o molho separadamente, para degustá-lo com outros pratos”, conta o chef Maurício Ganzarolli. Mas o pedido não se restringia ao molho. Eles passaram a pedir a biquinho em conserva, para levar para casa. E, de tanto improvisar embalagens, veio a ideia de comercializar a pimenta no próprio restaurante, em vidros, conservada em água e vinagre. Produto aprovado pela clientela, o plano agora é estabelecer parceria com vários distribuidores e lançar, até o fim do ano, três versões de conservas no mercado.

Uma delas será o pesto de alfavaca, o popular manjericão grande. Não por acaso, é o mesmo utilizado no tambaqui – e, se o prato não integra mais o cardápio, o molho continua fazendo sucesso, vendido em conserva, no Bananeira. O plano é começar devagar e pensar, futuramente, no mercado externo. “É impressionante a aceitação da biquinho fora do Brasil”, diz Maurício. “Quando apresento pratos com ela em minhas viagens pelo exterior, tenho observado que, no início, é grande a desconfiança, mas depois não sobra uma no prato.” A gente entende.

De uma família perfumada

A biquinho integra o grupo das pimentas aromáticas, ou de-cheiro, do qual fazem parte as pimentas godê, aroeira-vermelha, americana e cambuci. Acredita-se que ela tenha surgido na região do Triângulo Mineiro. A produção em escala comercial passou a acontecer a partir de 2004, no município de Campo Florido, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater/MG). Foi a Emater que difundiu o produto para todo o Brasil. Atualmente, a produção se concentra nos Estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Chega ao mercado in natura e, principalmente, conservada em água e vinagre. “Não temos a análise nutricional específica para a biquinho, mas acreditamos que seja semelhante a outras pimentas-vermelhas doces”, afirma o pesquisador da Embrapa Hortaliças, Geovani Bernardo Amaro.

Pode-se concluir, portanto, que a biquinho é rica em minerais como sódio, fósforo, magnésio e cálcio. Destacam-se, ainda, o betacaroteno (pró-vitamina A) e a vitamina C. Sabe-se também que o ardor da pimenta se deve a dois principais alcaloides: a di-hidrocapsaicina e a capsaicina, esta última a mais importante. “A biquinho se caracteriza por ser pouco pungente, graças à baixa presença de capsaicina em sua composição”, explica Amaro. O nível de ardência, no entanto, pode variar.

O Brasil é o grande centro de diversidade da espécie da biquinho, a Capsicum chinense, originária da região amazônica. Sendo assim, ela pode cruzar com outras pimentas picantes da mesma espécie, mantendo o formato, mas adquirindo maior pungência. “Se você plantar a biquinho perto de uma malagueta, por exemplo, no ano seguinte vai encontrar ali a biquinho picante e a malagueta um pouco gordinha”, explica o empresário Nelo Linguanotto, autor do livro Dicionário Gastronômico Pimentas e suas Receitas (Ed. Gaia). “Foi provavelmente esse fenômeno que gerou a biquinho e é justamente por isso que está surgindo a versão picante também.” De fato, já existe no mercado um tipo semelhante ao da pimenta-biquinho, chamado “pimenta de bico” ou simplesmente “bico”, com um nível de ardência que não passa despercebido. É bom saber.

 Fonte: www.embrapa.br/

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